Saúde em Portugal entre 1985 e 1995, num contexto internacional liberalizante – A Lei de Bases da Saúde de 1990

As crises económicas dos anos 70, relacionadas principalmente com o aumento súbito do preço da energia, marcaram o fim de um período de considerável crescimento económico e rápida expansão dos sistemas de protecção social na Europa. A viabilidade dos “regimes de bem-estar” foi posta em causa. O salto qualitativo na CEE, com a entrada dos países do sul e do norte e a queda do muro de Berlim, devem também ser mencionados como parte deste contexto.

Os sistemas de saúde centrados em dispositivos integradores, como os SNS do Reino Unido, dos países nórdicos e dos países do sul da Europa, foram também postos em causa:

  • os seus modelos de financiamento foram vistos como inadequados: advogou-se um aumento do financiamento privado (maior contribuição do “orçamento” das famílias);
  • os procedimentos de responsabilização pela boa utilização dos recursos colectivos apontaram-se como pouco rigorosos: propôs-se uma clara separação entre o “financiador” e o “prestador” de cuidados de saúde;
  • os serviços de saúde apresentaram-se como excessivamente ineficientes: defendeu-se a introdução de mecanismos de competição e de mercado no sistema prestador, facilitado por um maior peso do sector privado na prestação de cuidados de saúde.

Portugal acabava de se integrar na CEE e vivia um período de crescimento económico e de estabilidade política. Os governos passaram a ser de legislatura, começa a haver governos com apoio maioritário no Parlamento.

Foi aprovada em 1990, uma Lei de Bases de Saúde, que se insere, na generalidade, nesta filosofia crítica. Pode-se no entanto dizer que o seu conteúdo é, ainda hoje, pouco conhecido. Uma das suas peças regulamentadoras mais importantes – o Estatuto do SNS – foi aprovado apenas decorridos três anos.

Durante este ciclo e dentro da matriz filosófica geral proporcionada pela Lei de Bases de 1990, há que distinguir três períodos com orientações e prioridades distintas:

  • um primeiro, em que a ênfase foi posta na separação entre os sectores público e privado como condição para o desenvolvimento de ambos;
  • um segundo tempo, em que essa preocupação se atenuou consideravelmente e a agenda predominante passou a ser o desenho e a implementação de um “seguro alternativo” de saúde;
  • finalmente, um último período, em que esta ideia foi abandonada, tendo a agenda política passado a centrar-se no aumento do financiamento privado no sistema de saúde e na gestão privada das unidades públicas de saúde.

Apesar de importantes contribuições para a arquitectura do SNS, como as Administrações Regionais de Saúde (ARS) e as “unidades funcionais de saúde”, esta filosofia e os dispositivos normativos que a veicularam, tiveram pouco impacto sobre o funcionamento dos serviços de saúde portugueses e não influenciaram os pilares que sustentavam as suas disfunções.

Numa linha de continuidade, houve mais investimento nas infra-estruturas do SNS (centros de saúde e hospitais). No entanto, na área dos recursos humanos, a falta de uma política sustentada por uma análise prospectiva da evolução das profissões da saúde, e em medidas daí decorrentes, tem tido sérias consequências para o desenvolvimento do sistema de saúde.